January 22, 2025

Uma linguagem bem poética

 

A trama principal de  A Padroeira  é como um grande liquidificador literário que misturou o romance  As Minas de Prata  (1829-1877) de José Alencar com um toque de Shakespeare (1564-1616) e uma pitada de Alexandre Dumas (1802-1870). É como se alguém pegasse uma obra clássica, adicionasse um pouco de drama shakespeariano e o charme aventureiro dos mosqueteiros. Essa salada literária já tinha sido temperada para a TV por Ivani Ribeiro em 1966, quando virou novela na TV  Excelsior , com Walter Avancini na direção e Fúlvio Stefanini e Regina Duarte como protagonistas. Agora, nessa nova versão, os equivalentes são Deborah Secco e Luigi Baricelli, mostrando que algumas receitas, quando são boas, merecem ser repetidas com novos ingredientes.

Um dos trunfos mais detalhados da trama foi a chamada de 30 segundos, uma verdadeira obra-prima que usou técnicas de animação  quadro a quadro  em azulejos. Foi como se cada azulejo ganhasse vida. Imagine só, em apenas meio minuto, esses quadradinhos animados dirigidos para teletransportar o público diretamente para o ano de 1717. Foi como entrar em uma máquina do tempo, só que com muito mais charme e estilo.

“Esta técnica nunca foi utilizada no Brasil. A ideia da campanha surgiu na Globo em função da história da novela. Encontramos uma realização difícil, mas resolvemos enfrentar o desafio”,  explicou César Coelho, um dos diretores da agência Campo Quatro, produtora responsável.

Foto: Reprodução/Youtube

Chamadas de ‘A padroeira” 2001

Os primeiros passos para criar as chamadas da trama foram com a gravação dos atores contra um fundo preto e branco, como se estivessem presos em um filme antigo. Mas essa era só a primeira camada da mágica. As imagens foram digitalizadas e transformadas na tela do computador, prontas para serem atacadas por um exército de 15 desenhistas talentosos.

Esses artistas, armados com papel de aquarela, fizeram um verdadeiro balé com os pincéis sobre as cópias das imagens. Imagine só, eles pintaram 416 quadros diferentes, cada um feito à mão, como se estivessem desenhando cada quadro de uma aventura épica.

Depois de tanto trabalho manual, os desenhos, agora coloridos e radiantes, voltaram para o computador, onde recebeu um toque final. Foi como se passasse por um spa digital, com direito a todos os tratamentos de beleza que o acabamento digital pode oferecer. E assim, cada quadro ganhou vida, pronto para brilhar nas telas.

“A nova campanha confirma a aposta da emissora em lançamentos com forte linguagem publicitária, além de inovar com feitos inéditos de animação na tevê brasileira” , explicou Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação.  (Revista TV Brasil – junho de 2001)

Foto: Reprodução/Youtube

Chamadas de ‘A padroeira” 2001

Uma novela narra o romance épico e quase impossível entre Valentim Coimbra (Luigi Baricelli) e Cecília de Sá (Deborah Secco) na pitoresca vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, situada na agitada capitania de São Paulo e Minas do Ouro, no distante ano de 1717 .

Logo no primeiro capítulo, Cecília enfrenta uma tentativa de sequestro arquitetada pelo vilão Molina (Luís Mello). Mas, em um momento digno de cavaleiro andante, Valentim surge para salvar o dia. Essa cena eletrizante é onde nossos pombinhos se encontram pela primeira vez. Contudo, como um herói com uma missão urgente, Valentim não pode ficar ao lado de sua amada e parte em busca da mina de ouro.

A mina, cujo paradeiro exato está marcado em um mapa cuidadosamente escondido por seu pai, um homem injustamente tachado de traidor pela coroa portuguesa, é a chave para a redenção de Valentim. Com uma cidade inteira torcendo o nariz para ele, encontrar o ouro é a única maneira de recuperar sua honra, conquistar um lugar de respeito na sociedade, e, claro, finalmente se casar com Cecília.

Foto: Divulgação/TV Globo

Paulo Goulart em ‘A Padroeira’ 2001

Valentim embarca nessa jornada com a determinação de um explorador e o coração de um romântico, sabendo que o tesouro não é apenas uma questão de riqueza, mas a chave para unir seu destino ao de Cecília, transformando seu amor impossível em uma realidade brilhante e dourada.

No entanto, o pai da jovem, Dom Loureço (Paulo Goulart), tem outros planos bem diferentes para o futuro de sua filha. Ele insiste que Cecília se case com Dom Fernão (Mauricio Mattar), um jovem rico e poderoso, a quem já prometeu a mão de sua filha. É um clássico caso de “quem paga a banda escolhe a música”, e Dom Loureço está determinado a tocar sua melodia preferida, mesmo que Cecília tenha outros acordes em mente.

Enquanto isso, uma novela se desenrola com um panorama de fundo fascinante: a luta dos pescadores locais pelo reconhecimento do culto a Nossa Senhora Aparecida. A história ganha mais profundidade com a descoberta milagrosa da imagem da santa no rio Paraíba do Sul. Esses pescadores, gente simples e devota, encontram na imagem uma fonte de esperança e fé, e batalham para que seu culto seja oficialmente reconhecido.

Assim, entre as intrigas amorosas e as batalhas por justiça e fé, uma novela pinta um quadro vibrante e emocionante. A cada episódio, o espectador é levado a um turbilhão de emoções, torcendo para que o amor verdadeiro e a fé triunfem sobre todas as adversidades.

Foto: Divulgação/TV Globo

Norton Gonçalves em ‘A Padroeira’ 2001
A Escolha dos Protagonistas

Os protagonistas desta vez deram um salto direto de Laços de Família (2000) para esta nova trama, tudo graças ao desempenho espetacular que tiveram na novela de Manoel Carlos. Imagine só, como se fossem super-heróis do horário nobre, Deborah Secco e seu companheiro de cena foram convocados para encabeçar a história dirigida pelo lendário Walter Avancini.Deborah Secco, ao receber o convite para ser a estrela principal, deve ter pensado que estava em um daqueles sonhos malucos. Afinal, era a primeira vez que trabalhava com Avancini, um diretor com uma reputação digna de uma lenda urbana no mundo da teledramaturgia. De acordo com uma entrevista para a revista TV Brasil em 2001, ela não poupou elogios e se mostrou completamente encantada com o jeito do diretor comandar a novela.

“É um impacto, porque ele tem uma mão tão forte! Ele faz a gente sentir o que está vivendo. Quando estou ali na frente do Luigi Baricelli, o diretor faz com que eu ame o Valentim muito mais que qualquer outra coisa na minha vida, assim me sinto com força suficiente para lutar contra tudo e contra todos, como é o caso da Cecília. Não é uma atriz interpretando, eu sinto de verdade.”

Foto: Divulgação/TV Globo

Deborah Secco e Luigi Baricelli

Em uma entrevista para o jornal O Globo, o autor Walcyr Carrasco não poupou palavras ao falar sobre o ator Luigi Baricelli. Ele praticamente jogou confetes e serpentinas, elogiando o talento do ator como se estivesse descrevendo um herói épico.

“O Luigi está fazendo um Valentim sensível e apaixonante. Ele nasceu para ser protagonista.”

Foto: Divulgação/TV Globo

Deborah Secco e Luis Mello ‘A Padroeira’ 2001
 
Culto a Nossa Senhora Aparecida

“Sou místico, fazer uma novela sobre este tema era uma ideia também do Avancini. Eu tenho um forte sentimento de ligação com a Virgem Maria”, explicou o autor a revista da TV do Jornal O Globo, em 2 de novembro de 2008.


A Padroeira 
traz à tona a história real do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida pelos pescadores Filipe Pedroso (Isaac Bardavid), João Alves (Cláudio Gabriel) e Domingos Martins Corrêa (Carlos Gregório) no rio Paraíba, além dos primeiros milagres atribuídos à santa. A trama destaca também os esforços de Atanásio Pedroso para construir a primeira capela dedicada a ela. Entre os desafios enfrentados pelos pescadores no rio Paraíba e a devoção de Atanásio, a novela apresenta um enredo rico em fé, milagres e determinação.

Depois de muitas tentativas fracassadas, a rede de João Alves finalmente traz à tona uma imagem de uma santa, mas sem a cabeça. Num momento surpreendente, ao jogar a rede novamente, a cabeça da santa aparece, revelando uma surpresa para todos: a santa é negra. Interpretando isso como um sinal divino, os amigos continuam pescando fervorosamente, e logo seus barcos estão cheios de peixes.

Ao retornarem para casa, Domingos mostra a imagem à sua esposa, Silvana (Laura Cardoso), que é irmã de Filipe e mãe de João. Ela então repara a cabeça da santa com cera e a coloca em um oratório. Logo, os pescadores da região e suas famílias se reúnem em torno da santa para rezar o terço. A primeira capela é erguida por Atanásio, filho do pescador Filipe, marcando assim o início de uma devoção fervorosa.

Foto: Divulgação/TV Globo

Elisabeth Savalla em ‘A Padroeira’ 2001

No primeiro evento considerado milagroso, as velas do modesto altar dedicado à santa começam a tremer de maneira misteriosa, deixando os moradores locais perplexos. O segundo suposto milagre ocorre quando Zacarias (Norton Nascimento), um escravo fugitivo capturado pelo cruel capitão do mato João Fogaça (Roney Vilella), faz uma prece diante da santa e, de repente, as correntes que o prendem se rompem.

A presença de uma santa de pele negra, adorada pelo povo, causa alvoroço entre os nobres preconceituosos e divide opiniões na vila, gerando uma tensão entre aqueles que apoiam a devoção à santa e os que tentam impedir seu culto.

Na época, o reitor do Santuário de Aparecida, José Ulysses da Silva, manifestou preocupação com possíveis distorções da história real e interpretações equivocadas dos aspectos religiosos na novela. Ele temia que a representação pudesse levar o público a uma compreensão incorreta dos eventos e da fé envolvida. Contudo, após a novela começar a ser exibida, esses receios foram gradualmente superados, à medida que ficou claro que a produção respeitava e mantinha a essência dos fatos e dos valores religiosos.

“Estávamos ansiosos para ver como a Globo iria retratar a história, mas, até agora, a novela superou as nossas expectativas. Pelo menos no que diz respeito ao conteúdo teológico, a novela está muito bem”, afirmou Darci José Nicioli, então administrador da Basílica. (Folha de S. Paulo de 24 de junho 2001)

Foto: Divulgação/TV Globo

Deborah Secco e Luigi Baricelli

Walcyr Carrasco e Walter Avancini já formaram uma parceria de sucesso em produções memoráveis ​​da TV brasileira, como a consagrada Xica da Silva, da Rede Manchete, e O Cravo e a Rosa, a última novela assinada por Carrasco antes de A Padroeira.

O intervalo entre as duas tramas foi surpreendentemente curto: enquanto O Cravo e a Rosa terminou em 10 de março de 2001, já A Padroeira entrou no ar em 18 de junho do mesmo ano. Em apenas três meses, Walcyr retornou à televisão com uma nova produção, um feito impressionante, até mesmo para um autor conhecido por sua agilidade na escrita.

Em entrevista ao jornal Correio do Estado, o autor comentou sobre essa parceria com Walter Avancini.

“Avancini tinha urgência em trabalhar. Todo mundo sabia que ele estava doente, mas não falava muito sobre o assunto. Os encontros para pensar a novela eram divertidos e interessantes. Gênio que só ele, sempre quis ir além do trivial. ‘A Padroeira’ representa, para mim, uma alegria de poder trabalhar de novo com meu amigo”,  ressalta o autor.

Destaque na Mídia

 

Fontes de pesquisas:  Revista Veja; Revista Amiga; Revista Contigo; Revista Cartaz; Jornal Folha de São Paulo; Jornal Correio do Estado; Livro Almanaque da TV; Livro Teletema: A História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira – Vol. 1 1964 a 1989;  Livro Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga; Memória da Telenovela Brasileira; SiteUol; Site Teledramaturgia; Site Memória Globo; Blog Revista Amiga e Novelas.